Enfaticamente o pertencimento dilacerado situa-se em está em um lugar e poder criar expectativas a partir deste, independente da realidade, classe social, gênero, raça e nível de escolaridade. Todos os entrevistados compartilham trajetos geográficos e trajetórias, desejos e (des) encontros e suas significativas conquistas do trabalho informal.
O filme reforça a narrativa documental e tumultuosa como se estivéssemos indo a um mercado ou feira livre. Há desvios, anúncios escritos à mão e a sonoridade oral que fortalece os estereótipos de convivência e pertencimento. Quem sabe ao não-pertencimento, não apenas por escolha, mas por uma imposição social do capitalismo e, consequentemente, da precarização do trabalho.
“Eu sou homem, motor sem destino”, esse é um dos trechos do primeiro entrevistado, o carroceiro que se recusaria em receber um carro popular, mas sonha em ter um caminhão. Inconscientemente ele aderiu a poética existencial da sobrevivência em carregar pesos, em ser um andarilho.
Esse fragmento acolhe a dinâmica da performance, ficção e exaustão de outro filme feito dois anos depois, ANDARILHO (ficção, 80 min., 2006) de direção do artista-cineasta Cao Guimarães que abala nosso caminhar na esfera cinematográfica, bem como no potencial filosófico de um filme ficcional que instiga o encontro com o real. De algum modo um encontro com os personagens reais da produção de Hermano Figueiredo.
Na concepção tempo-pertencimento, MIRANTE MERCADO provoca feições de afeto, risadas populares, um ar saudoso e poético cheio de oralidades, mas também atual preocupação, pois a pandemia possui esferas de crueldade como reflexo do caos socioeconômico e da precarização do trabalho. MIRANTE é um filme de entrada e comum a cartografia dos mercados no Nordeste e, talvez, no país. É um filme que também abre mapas patrimoniais e mentais, ao passo que ANDARILHO é um teste de percorrer sozinho e em silêncio o tempo-pertencimento na atualização de nos enxergamos no pós-pandemia.